terça-feira, 30 de abril de 2019

Meu samba caiu...

Hoje às 17h33m cavacos, cuícas e pandeiros do nosso Brasil se calaram. Que dia triste. Cheguei em casa arrasado.
Perdemos a madrinha do samba carioca, a maior expressão da música popular brasileira do Rio de Janeiro. Partiu Beth Carvalho, segundo sua família, cercada de amor.
Aprendi a gostar de samba ouvindo sua voz e conhecendo sua atitude. Tive o privilégio de ter sido apresentado à ela ainda mais jovem, quando morava no Largo dos Leões, em Botafogo. Assim como pude assistir à muitos de seus shows e colecionar muitos de seus discos e CDs.
Beth Carvalho nasceu com atitude e samba nas veias e conseguiu, incentivada por seu pai, transformar a dor da época da ditadura no início de sua carreira que inspirou e contagiou tanta gente mundo afora. Sou apenas um de seus milhares de fãs que conseguiu entender que um bom samba é muito mais que um gênero musical. É uma filosofia, um protesto, um ato social, um jeito de ver a vida e uma forma de oração.
Um grande Salve à Beth Carvalho! 
Que sua mensagem seja levada aos quatro cantos desse mundo e acalme nossos corações e mentes. 
Toda solidariedade à sua filha Luana e família.
Descanse em paz, Madrinha do samba. Leve consigo nossas preces e olhe sempre pelo nosso samba.
Que as futuras gerações aprendam com sua história de vida e com as cores de seus acordes!
Namastê!!!!


 

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Memórias Lusitanas: O que Lisboa significa para você?


Em 2014 tive a oportunidade de ir pela primeira vez às terras lusitanas e conhecer o fascinante Portugal, com tantas histórias e contos. Busquei de todas as formas conhecer mais sobre a literatura daquele país que adoro. Em uma dessas pesquisas me vi uma tarde toda sem querer sair da Casa dos Bicos, na Fundação José Saramago, a qual recomendo demais para quem curte. Dos diversos textos que li por lá, um deles gostaria de compartilhar em sua íntegra. E fala sobre a origem de Lisboa e seu encantamento pelo escritor José Saramago...

"Palavras para uma cidade"
José Saramago

Tempo houve em que Lisboa não tinha esse nome. Chamavam-lhe Olisipio quando os Romanos ali chegaram, Olissibona a tomaram os Mouros, que logo deram em dizer Aschbouna, talvez porque não soubessem pronunciar a bárbara palavra. Quando em 1147, depois de um cerco de três meses, os Mouros foram vencidos, o nome da cidade não mudou logo na hora seguinte: se aquele que iria ser o nosso primeiro rei enviou à família uma carta a anunciar o feito, o mais provável é que tenha escrito ao alto Aschbouna, 24 de outubro, ou Olissibona, mas nunca Lisboa. Quando começou Lisboa a ser Lisboa de facto e de direito? Pelo menos alguns anos tiveram de passar antes que o novo nome nascesse, tal como para os conquistadores Galegos começassem a tornar-se Portugueses... Estas miudezas históricas interessam pouco, dir-se-á, mas a mim interessar-me-ia muito, não só saber, mas ver; no exacto sentido da palavra, como veio mudando Lisboa desde aqueles dias.
Se no cinema já existisse então, se os velhos cronistas fossem operadores de câmara, se as mil e uma mudanças por que Lisboa passou ao longo dos séculos tivessem sido registradas, poderíamos ver essa Lisboa de oito séculos crescer e mover-se como um ser vivo, como aquelas flores que a televisão nos mostra, abrindo-se em poucos segundos, desde o botão ainda fechado ao esplendor final das formas e das cores. Creio que amaria a essa Lisboa por cima de todas as cousas. Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar o mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo. Esse filme de Lisboa, comprimindo o tempo e expandindo o espaço, seria a memória perfeita da cidade. O que sabemos dos lugares é coincidirmos com eles durante um certo tempo no espaço que são. O lugar estava ali, a pessoa apareceu, depois a pessoa partiu, o lugar continuou, o lugar tinha feito a pessoa, a pessoa havia transformado o lugar. 
Quando tive de recriar o espaço e o tempo de Lisboa onde Ricardo Reis viveria o seu último ano, sabia de antemão que não seriam coincidentes as duas noções do tempo e do lugar: a do adolescente tímido que fui, fechado na sua condição social, e a do poeta lúcido e genial que frequentava as mais altas regiões do espírito. A minha Lisboa foi sempre a dos bairros pobres, e quando, muito mais tarde, as circunstâncias me levaram a viver noutros ambientes, a memória que preferi guardar foi a da Lisboa dos meus primeiros anos, a Lisboa da gente de pouco ter e de muito sentir, ainda rural nos costumes e na compreensão do mundo. Talvez não seja possível falar de uma cidade sem citar quantas datas notáveis da sua existência histórica. Aqui, falando de Lisboa, foi mencionada uma só, a do seu começo português: não será particularmente grave o pecado de glorificação... Sê-lo-ia, sim, ceder àquela espécie de exaltação patriótica que, à falta de inimigos reais sobre que fazer cair o seu suposto poder; procura os estímulos fáceis da evocação retórica. As retóricas comemorativas, não sendo forçosamente um mal, comportam no entanto um sentimento de autocomplacência que leva a confundir as palavras com os actos, quando as não coloca no lugar  que só a eles competiria. 
Naquele dia de Outubro, o então ainda mal iniciado Portugal deu um largo passo em frente, e tão firme foi ele que não voltou Lisboa a ser perdida. Mas não nos permitamos a napoleónica vaidade de exclamar: "Do alto daquele castelo oitocentos anos nos contemplam" - e aplaudir-nos depois uns aos outros por termos durado tanto... Pensemos antes que do sangue derramado por um e outro lados está feito o sangue que levamos nas veias, nós, os herdeiros desta cidade, filhos de cristãos e de mouros, de pretos e de judeus, de índios e de amarelos, enfim, de todas as raças e credos que se dizem bons, de todos os credos e raças a que chamam maus. Deixemos na irónica paz dos túmulos aquelas mentes transviadas que, num passado não distante, inventaram para os Portugueses um "dia da raça", e reivindiquemos a magnífica mestiçagem, não apenas de sangues, mas sobretudo de culturas, que fundou Portugal e o fez durar até hoje. Lisboa tem-se transformado nos últimos anos, foi capaz de acordar na consciência dos seus cidadãos o renovo de forças que a arrancou do marasmo em que caíra. Em nome da modernização levantam-se muros de betão sobre as pedras antigas, transtornam-se os perfis das colinas, alteram-se os panoramas, modificam-se os ângulos de visão. Mas o espírito de Lisboa sobrevive, e é o espírito que faz eternas as cidades.
Arrebatado por aquele louco amor e aquele divino entusiasmo que moram nos poetas, Camões escreveu um dia, falando de Lisboa: "...cidade que facilmente das outras é princesa". Perdoemos-lhe o exagero. Basta que Lisboa seja simplesmente o que deve ser: culta, moderna, limpa, organizada - sem perder nada da sua alma. E se todas bondades acabarem por fazer dela uma rainha, pois que o seja. Na república que nós somos serão sempre bem-vindas rainhas assim.

Fonte: Folhas Políticas 1976-1998. Caminho, 1999, pp 178-182.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Noel Rosa

..."Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo"...

Noel Rosa (trecho da música: Filosofia)